Economia Circular: Rumo à Descarbonização

Francisco Ferreira

Presidente da Associação ZERO e Professor na FCT NOVA

A economia circular é um elemento absolutamente fundamental na descarbonização da sociedade. O benefício está associado a uma redução das emissões de gases com efeito de estufa associadas à extração de novos materiais, quer relativamente ao eventual impacte climático do uso e fim-de-vida desses novos materiais, quer em termos de diminuição da energia disperdida.

A primeira linha da economia circular é evitar a utilização de recursos e, nos casos em que têm de ser utilizados, procurar que o seu uso seja muito eficiente e o seu tempo de vida útil seja tão longo quanto possível, por exemplo, através da durabilidade, reutilização, reparação, atualização, venda em segunda mão e reciclagem, com o devido respeito por esta linha de prioridades. Por exemplo, um estudo recente feito pelo European Environmental Bureau, demonstra que o ciclo de vida completo dos smartphones da Europa é responsável por 14 milhões de toneladas de emissões (CO2eq) por ano, que é cerca de 25% das emissões médias de Portugal nos últimos anos. Aumentar a vida útil destes equipamentos em apenas um ano economizaria mais de 2 milhões de toneladas de emissões, o que equivale e retirar 1 milhão de carros das estradas anualmente em 2030.

No que respeita à reparação de equipamentos, aumentar o tempo de vida útil dos produtos, reduzindo a necessidade de estar sempre a produzir mais e mais equipamentos, é uma mais-valia em termos de redução de emissões. Uma economia mais circular reduz as nossas necessidades de estar constantemente a explorar novos recursos e produzir novas coisas, reduzindo, entre vários impactos, o consumo de combustíveis fósseis. A reparação também fomenta o emprego local, visto que a reparação é feita, essencialmente, no local (ao passo que a produção tende a ser longe da União Europeia) e aumenta a resiliência do país e da própria União Europeia a crises, visto que os materiais permanecem úteis durante mais tempo na economia, sem ser necessária a entrada de novos materiais.

É ainda importante mencionar o regulamento relativo à conceção ecológica de produtos sustentáveis (ESPR), uma das iniciativas emblemáticas do Pacto Ecológico Europeu, com particular importância para promover uma economia circular na Europa em articulação com a ambição climática. O Passaporte Digital de Produto é uma ferramenta para recolher e partilhar dados sobre produtos ao longo de todo o seu ciclo de vida, incluindo as emissões de gases com efeito de estufa associadas à sua produção, que podem ser usados para demonstrar as suas características em termos de sustentabilidade e de reciclabilidade, por exemplo.

Por último, a componente de emissões é um elemento que terá de estar integrado nas compras públicas ecológicas que são uma ferramenta fundamental para assinalar junto do mercado as mudanças que devem ser operadas na sociedade, desde logo pelo volume de investimento que envolvem. Nesta ligação entre a economia circular e a descarbonização, a integração de diferentes componentes que definem a conceção ecológica de um produto devem ser rapidamente consideradas nos critérios de aquisições públicas.

Com objetivos ambiciosos de redução de emissões de gases com efeito de estufa às escalas europeia e nacional, atingindo a neutralidade climática em 2050 e 2045, respetivamente, a implementação de uma economia circular que avalie e resulte num uso suficiente dos recursos, recorrendo a energia cuja origem seja cada vez mais proveniente de fontes renováveis, é, sem dúvida, fundamental. A economia circular tem de ser um elemento-chave integrador e complementar da análise setorial que os planos e roteiros de descarbonização apresentam.